"Fiquei olhando o jeito como mexia os lábios distraída e aguardava sua estação enquanto movia as páginas de "A Montanha Mágica".
Pelos cantos dos olhares, derrapei entre as frestas dessas janelas enormes e claustrofóbicas e timidamente me permiti encontrar os traços nela tão familiares aos meus gostos; meu amor pelas sombrancelhas das pessoas, das mulheres, das crianças.
Minhas mãos enrugadas procuram a ponta da revista que carrego e folheio - a melhor muleta de passeios aleatórios.
O segredo é esperar.
As coisas todas acontecem enquanto nos preocupamos em encontra-las à nosso modo.
A experiência me preparou a paciência como lazer e digressão.
O poder de fechar portas, receber educadamente pessoas e confortar-lhes com diálogos leves e até surreais.
Eu, meus temas e substâncias, gerúndios e conformismos, tentamos apagar a distância que nos separa desta moça e a montanha.
Esse abismo tolo cheio de nós."
21 de jan. de 2009
16 de jan. de 2009
o homem sem romance #4
"ela fica deste modo, assim" - vira pra ele falando sem parar; faz um gesto, pontua, acende um cigarro, segura um tempão entre os dedos antes da primeira tragada.
" ela é sem amarras, nem de piscar os olhos na hora errada" - contando já sentado, as pernas cruzadas, fazendo a porra de uma pose exagerada.
"você nem imagina as oportunidades, e é totalmente seguro..." -procura o cinzeiro sem lhe tirar os olhos, mira nas pernas muito musculosas do outro, despidas.
" é tudo uma grande encenação, mas pode ser muito excitante..." - coça o cavanhaque bem desenhado enquanto suga e prepara mais uma baforada.
o sujeito ali do outro lado, desenhando cifras até pela paredes, se convence que realmente tudo aquilo é uma merda e que não precisava mais uma vez daquele bosta em sua frente, não precisava ser assim, precisava fazer algo, fazer algo com aquilo que carregava entre as pernas, fazer aquele puto calar a boca, calar a vida aos solavancos, calar as contas, o cartão de crédito, a santa tatuada nas costas.
outro atende o celular - " ela está aí "
seu estômago doeu.
o intestino era muito frágil, nem café tomava mais, nem destilado, só água e às vezes, as avessas.
ouviram ao longe o relincho.
num caminhão médio, uma égua havia chegado pelos portões do sítio.
" ela é sem amarras, nem de piscar os olhos na hora errada" - contando já sentado, as pernas cruzadas, fazendo a porra de uma pose exagerada.
"você nem imagina as oportunidades, e é totalmente seguro..." -procura o cinzeiro sem lhe tirar os olhos, mira nas pernas muito musculosas do outro, despidas.
" é tudo uma grande encenação, mas pode ser muito excitante..." - coça o cavanhaque bem desenhado enquanto suga e prepara mais uma baforada.
o sujeito ali do outro lado, desenhando cifras até pela paredes, se convence que realmente tudo aquilo é uma merda e que não precisava mais uma vez daquele bosta em sua frente, não precisava ser assim, precisava fazer algo, fazer algo com aquilo que carregava entre as pernas, fazer aquele puto calar a boca, calar a vida aos solavancos, calar as contas, o cartão de crédito, a santa tatuada nas costas.
outro atende o celular - " ela está aí "
seu estômago doeu.
o intestino era muito frágil, nem café tomava mais, nem destilado, só água e às vezes, as avessas.
ouviram ao longe o relincho.
num caminhão médio, uma égua havia chegado pelos portões do sítio.
15 de jan. de 2009
o homem sem romance #3
"Acho que eu não tinha mais sonhos. Ou o que ainda sobrava deles era pura miséria. Eu não via muito jeito para as coisas e assim fui sendo, tendo meus modos e escrevendo tudo pela memória.
Das boas lembranças que guardo é de assistir pela janela da sala, meu pai saindo de carro pro trabalho e eu, estático, calado, observando cada movimento. Não esquecerei da idéia que me preencheu. Era algo como " ...por que eu vim mesmo pra cá?", " onde estava tudo era tão bom..."," o que eu estou fazendo aqui?". Chuto isso pelos meus 5, 6 anos. Ainda não tinha conhecido a escola. Já queria voltar. Já não era feliz."
Das boas lembranças que guardo é de assistir pela janela da sala, meu pai saindo de carro pro trabalho e eu, estático, calado, observando cada movimento. Não esquecerei da idéia que me preencheu. Era algo como " ...por que eu vim mesmo pra cá?", " onde estava tudo era tão bom..."," o que eu estou fazendo aqui?". Chuto isso pelos meus 5, 6 anos. Ainda não tinha conhecido a escola. Já queria voltar. Já não era feliz."
12 de jan. de 2009
o homem sem romance #2
(Atravessa o salão imerso pelos pensamentos mais imundos sobre Rebeca. Iam encontrar-se naquele botequim chique de sempre.
Rebeca: sempre o mundo mais estranho que lhe podia ter pertencido.)
- oi.
- oi.
- não entendo mesmo esse teu olhar, me diz, diz como é, diz como digo, como faço melhor teus dias, diz agora.
- vamos ali, eu te explico melhor, sintetizo
(odeio as sínteses dela)
- vai, começa.
- bom, eu não quero estragar tuas intenções - na verdade, quero sim - tô de viagem pro canadá,
(seguro um copo que um garçom trouxe, não sei se é água, martini, vodka, não lembro - entorno)
- aliás, vou amanhã.
- hmm, bom pra você, hein.
(vadia)
- tu não entendeu, cabou.
- tá.
(seguro o copo forte. é algum tipo de plástico. mordo o lábio, - vaca, vadia).
- fechamos.
- garçom, rápido, a conta.
(Joaquim/Fernando/Solano/Tavares fica desenhando no guardanapo uma situação hilária mas não ri. Cantarola " Synapse, synapse: the possibility's thin... ", enquanto escreve a letra no mesmo papel. Ajeita as mangas da camisa. Em sua ilha, não repara a falta de um botão - que se tivesse visto, gostaria que agora estivesse perdido na bolsa de Rebeca.
E que de repente, explodisse.).
Rebeca: sempre o mundo mais estranho que lhe podia ter pertencido.)
- oi.
- oi.
- não entendo mesmo esse teu olhar, me diz, diz como é, diz como digo, como faço melhor teus dias, diz agora.
- vamos ali, eu te explico melhor, sintetizo
(odeio as sínteses dela)
- vai, começa.
- bom, eu não quero estragar tuas intenções - na verdade, quero sim - tô de viagem pro canadá,
(seguro um copo que um garçom trouxe, não sei se é água, martini, vodka, não lembro - entorno)
- aliás, vou amanhã.
- hmm, bom pra você, hein.
(vadia)
- tu não entendeu, cabou.
- tá.
(seguro o copo forte. é algum tipo de plástico. mordo o lábio, - vaca, vadia).
- fechamos.
- garçom, rápido, a conta.
(Joaquim/Fernando/Solano/Tavares fica desenhando no guardanapo uma situação hilária mas não ri. Cantarola " Synapse, synapse: the possibility's thin... ", enquanto escreve a letra no mesmo papel. Ajeita as mangas da camisa. Em sua ilha, não repara a falta de um botão - que se tivesse visto, gostaria que agora estivesse perdido na bolsa de Rebeca.
E que de repente, explodisse.).
6 de jan. de 2009
o homem sem romance #1
- deixa eu te falar da casa grande, do sofá que ficou, das ranhuras nas mobílias, aventuras e ponto finais, sobre cirurgias intermináveis, doenças de fácil contágio, efeitos dos entorpercentes nas minhas palavras, dos pensamentos que tenho nas viagens curtas e longas, loucuras e merdas que relembramos, saudades doídas no peito, nas sensações indefinidas, incestuosas, destinos não-calculados, deus, santos, promessas, sony, veias grossas dos braços dos velhos, metrô, o jornal daqui, o jornal de lá, o mais vendido, o suspensório daqueles meninos novos cheirando xampu que não arde os olhos, canções folk, conversas na tua cozinha, palavras-cruzadas, mind games, café, chá preto, torradas, laranja, o efeito bicolor dos cabelos, a minha enorme predisposição em falar, falar, falar e depois calar, mentir, inventar, cuspir as ordens, promessas, sem chaves, bandeiras, milagres, sentimentos de culpa, sem culpa, sem modéstia, sem pesar as palavras, segurar o pranto, avisar que o inferno já foi fodido, que não tinha jeito pra vida, nem pra morte, que vivemos uma perseguição vã, destrutiva, que não adianta calar os ventiladores, interruptores, cartões de crédito, o mundo só gira mais rápido e não é adequado pensar demais, o melhor era soltar, soltar, soltar, antes de ver que essa casa é grande demais, que eu sinto o fio da solidão nos pés gelados sem meia, sem um jeito melhor pra contar que sigo acendendo um rastilho de pólvora, que eu não quero explodir sem uma mão colada aqui na minha testa suada de todas essas febres...
(Um Joaquim/Fernando/Solano/Tavares sentado numa cadeira, meio arqueado, arfando, grunhindo, mordiscando as últimas palavras que lhe sobraram. Molho de chaves na mão. Chaves do carro. Chevette branco. Bem usado e gasto. Não menos que o dono.)
(Um Joaquim/Fernando/Solano/Tavares sentado numa cadeira, meio arqueado, arfando, grunhindo, mordiscando as últimas palavras que lhe sobraram. Molho de chaves na mão. Chaves do carro. Chevette branco. Bem usado e gasto. Não menos que o dono.)
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