17 de mai. de 2009

Osmar

Estava atento aos caminhos de veias que circulavam pelos braços magros, sentado com a cabeça baixa, sem nenhuma coragem.
Um cigarro recente pendurado no canto da boca e
a fumaça engolindo o perfume que nem sabia marcar o ambiente.
A tendência era perseguir com os olhos todo o rastilho daquele barrio de pólvora ambulante - aquela mulher que lhe provocava fogueiras intensas - e para seu rosto, convinha a função delatória com o olhar idiota sempre.

Ela vinha desfilando com uma garrafa de vinho vazia nas mãos.
Pediu-lhe um cigarro e denunciou em alguma espécie de nano-segundo, um sentimento de queda por aquela criatura ali sentada com seu ar de prazo vencido.
Ela e sua intensa atração pelas veias e o que há nelas, deu baforadas lentas e quase quis devolver a quantia paga.
Lembrou-se da faculdade, a cerveja de sexta, e o convênio dos irmãos, vacilou.

Não devia isso nem aquele homem.
Tinha um coração pequeno que retia em suas rotinas particularmente voluntárias, a vocação tosca de amar o próximo.
Dizia que era o tal fetiche pelo sacrifício.


Ele, quando levantou a cabeça sentiu que escorria as cores de tudo pelas retinas.
Enquanto homem que era, morria lentamente pelo sabor de amar esse seu modo circular, essa pretensão de escolher na melhor merda um estilo de vida.
Quis que ela devolvesse o dinheiro, mas lembrou-se das labaredas imensas, dos olhos, das antigas promessas, o gosto do cigarro e a mancha de vinho que ficavam impresso nos dentes.
Enquanto mentalmente anotava um punhado de letras que pensava escrever mais tarde, ela tentava dizer-lhe que ali findava, que não tinha mais corpo, voz e vontade, que lhe faltava coragem por aqueles idos tempos, que doía a saudade de algo impronunciável.
Leu as entrelinhas daquele coração e calou o seu, pelo costume que suas cicatrizes haviam ensinado.

Seguiu sem conseguir parar de pensar nos feriados e datas santas, no intervalo das vértebras em uma coluna, nas manhãs que a barba esperava ser feita, nos acordes menores daquele samba cantado nos botecos, na criança que surpreendeu perguntando a mãe ao vê-lo caminhando pelo centro, "o que era aquele brinquedo metálico grudado em suas pernas?".

Desceu as escadas segurando as vertigens e dali viu a famosa e derradeira ladeira que precisaria transpor.
A vida essa, era mesmo de matar.


4 comentários:

Carlos Howes disse...

Não há como negar que cada um tem sua parcela de culpa pelo buraco onde se encontra. Você disse uma frase no texto que me fez pensar nisso, embora seu desfecho também tenha sido contundente, pois a vida é como um artilheiro: não perdoa, malandro! rs.

Danilo Vasques disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Danilo Vasques disse...

É por aí, pelas obscuras vielas que cabem aos transeuntes que somos a espera por um chão que nem sabemos direito se devemos por ele seguir. Cara, "aquela criatura ali sentada com seu ar de prazo vencido", é de uma finura! Parabéns!

l u a * disse...

salada russa de coisas, mermão.
achei mil coisas, nisso aí.
de chão-da-sala a rodoviávia.

puta dum mundo injusto.

proje(c)to

etc.