13 de jan. de 2010

Glória

Glória limpando os quartos despejando líquidos cheirosos no chão de
piso vermelho e velho. Essa memória me assaltou de repente ao passar
pela Olido. Os filmes que a Glória queria ver. Era uma lembrança
saudosa das memórias dela. Ela frisando bem os detalhes do seus
anseios enquanto passeava o pano úmido por entre as camas.
Os
amores que Glória copiava das novelas. Partindo daquele calçada da
galeria eu não pude evitar ser atropelado pela viva lembrança daqueles
dias. A estação de rádio que ela ouvia ficava na AM. Eu já não lembro
mais qual. O que eu julgava importante era decifrar os códigos que
Glória demarcava pela casa. O gosto do café queimando às tardes, ou
o cheiro batido do creme facial nas invisíveis rugas. A lágrima que ela
derramou sem que percebesse que eu visse às escondidas quando
recebeu carta dos parentes em Alagoas. Mais lembranças. Eu já
arrancava rápido por entre os automóveis em direção a Consolação.
Meus passos só fazem crescer desde então. Ou a velocidade que
introduzo neles. Ou ainda, a verocidade que me inoculam diariamente
através de um trabalho monótono e mal-remunerado.
Eu ainda atrasado. Glória com as mãos cheirando Lustra Móveis.
Sentada depois do almoço no quintal. E o Francisco, ainda pequeno,
tomando sol no seu colo. Esse gato, não queria nunca meu colo, mas no dela,
sentia-se atraído como se pra sua destinada fêmea.
Eu não entendia esses dias de Glória.
No dia que ela disse ter gostado (e chorara demais)
muitíssimo de Cinema Paradiso, eu
disse apenas que dormira duas vezes, fácil e insolente.
Não era simples concordar;
era eu aquela tipo de criança geniosa,
destinada a discordar
inteiramente de um adulto com todas as forças.
Dizia que Ladrões de Bicicleta era o meu favorito e ponto, não abria exceção.
Ela prometia bolinhos de chuva e eu amargava uma tarde de desenhos.
Dois dias antes da mãe morrer. Do pai ser preso por estelionato.

Do meu coração bater desesperadamente ao beber todos aqueles
perfumes baratos
do quarto de Glória. Três dias depois do Natal.
Quinze minutos antes dela sair dizendo que o coração dela era o mundo
e que se eu quisesse que fosse junto.
Saindo do hospital depois de contar os degraus tive só a certeza:
Cento e trinta e dois dias para completar minahs onze primaveras exatas.

(...)



2 comentários:

Anônimo disse...

Hospital e Primavera (seja qual for) - Eis a reflexão.

Danilo Vasques disse...

meu amigo, que postagem fantástica, que nos deixa pensando do lado de cá sobre a infância que ainda vive e viverá no adulto que segue por aí, seja ele quem for, sejam as ruas quais forem. que texto bom! parabéns. um grande abraço.

proje(c)to

etc.